segunda-feira, 9 de março de 2009

Os “Southern Agrarians” de hoje

1930 foi um ano difícil para os EUA. O país tentava recolocar as coisas em ordem depois do furacão nas bolsas em 1929, do desemprego galopante e das greves em todo o país. As duas décadas anteriores, de extrema bonança, foram a feliz confirmação da idéia de que a civilização americana sublimava os princípios tipicamente anglo-saxônicos de liberdade individual, livre comércio e democracia representativa, e os EUA, apoiados nesses princípios cumpririam o seu “destino manifesto”, isto é, comandar e modificar o mundo. A alegria durou pouco e a depressão, econômica e psicológica, veio em seguida.

Naquele ano difícil, foi publicado em Nashville, Tennessee, um manifesto chamado “I´ll take my stand” assinado por importantes escritores do Sul dos EUA, como Robert Penn Warren e John Crowe Ramson. O título remetia a uma frase da conhecidíssima canção “Dixieland”, entoada pelos confederados sulistas durante a Guerra Civil Americana e praticamente um hino “não-oficial” da região derrotada no conflito. O grupo – denominado “Southern Agrarians” – defendia a retomada dos valores da cultura tradicional do Sul dos EUA contra o industrialismo e a massificação típicos do Norte do país.

Começava assim o manifesto:

“THE authors contributing to this book are Southerners, well acquainted with one another and of similar tastes, though not necessarily living in the same physical community, and perhaps only at this moment aware of themselves as a single group of men.

E assim continuava:

“All the articles bear in the same sense upon the book’s title-subject: all tend to support a Southern way of life against what may be called the American or prevailing way; and all as much as agree that the best terms in which to represent the distinction are contained in the phrase, Agrarian versus Industrial.”

“(…) how far shall the South surrender its moral, social, and economic autonomy to the victorious principle of Union? “

Por “Union”, entendamos “O Norte” – e por “O Norte”, entendamos o capitalismo liberal daquela época. Os EUA foram, durante os primeiros anos do século XX, o maior exemplo do sucesso dos princípios da democracia liberal à inglesa do ponto de vista social e econômico. O “american way of life” , que o mundo conheceria através dos filmes, era, o “northern way of life” – o estilo de vida dos nortistas. Os EUA que o mundo conheceu, respeitou e temeu desde então eram os EUA da metade Norte: o país militarista, fortemente industrializado, liberal, democrata e progressista. O país do Sul, aristocrático, fortemente elitista e conservador, foi esquecido. Os “southeners” – os sulistas – era estranhos numa terra estranha e sua única saísa era adaptarem-se aos rumos que o lado vencedor escolhera, lado que estava comprovadamente dando certo. Consideravam os nortistas, democratas liberais ao melhor estilo inglês, um bando de grosseirões , de modos rudes, amantes de prazeres toscos e incapazes de compreender as virtudes e o refinamento da aristocracia. E, como costuma acontecer em nações aristocráticas, o Sul dos EUA sempre foi um celeiro de cultura, terra de poetas, pensadores, escritores, músicos e pintores , mas, sobretudo,de homens orgulhosos de pertencer a uma tradição especial e marginalizada. E esse orgulho adormecido só precisava de um momentinho de desatenção dos nortistas para vir à tona. Esse momentinho foi a crise de 1929. E com ela, veio I´ll take my stand – uma grande revolta conservadora contra o capitalismo liberal.

A influência do manifesto foi duradoura e profunda. Pôde ser sentida em toda a literatura, as artes e o pensamento provenientes do Sul dos EUA a partir de então, como na obra de William Faulkner e Flannery O´Connor, mas também na música folk, nos escritores do Southern Gothic e no rock´n roll. Até hoje os Southern Agrarians são lembrados, seja por aqueles que defendem os princípios do movimento, seja por aqueles que o condenam como reacionário, saudoso de um sistema sócio-econômico perverso e desigual (a escravidão) e ultraconservador, à maneira de outros movimentos ultraconservadores que surgiram na mesma época aproveitando-se da derrocada da democracia capitalista liberal. O fim do laissez faire, previsto por ninguém menos do que John Maynard Keynes três anos antes do desastre da Bolsa, foi, em grande medida, o fim de toda uma época e um dos principais causadores de um abalo civilizacional e histórico chamado Segundo Guerra Mundial.

Sem querer dar créditos à idéia de História cíclica, ou de qualquer outra filosofia da História, os acontecimentos do momento presente talvez nos sugiram uma pergunta que, diante de tudo o que vimos até agora, acaba por ser impor: quem são os “Southern Agrarians” de hoje? O que pretendem? Contra o que se rebelam, o que propõem e, mais do que tudo isso, quais são os seus ressentimentos histórico? Não são poucas as vezes que ouvimos falar do fim do capitalismo liberal, da retomada do keynesianismo, da volta do protecionismo, do fim da globalização como hoje a conhecemos, etc, etc, etc, enfim, de tudo o que pode tomar o lugar do velho capitalismo ianque e do domínio mundial dos EUA, que é o domínio do Norte dos EUA sobre o Sul do mesmo país, do Norte da América sobre o Sul da América e, por via de consequência indireta, do Norte do Mundo sobre o Sul do Mundo. Alguns membros dos Southern Agrarians fizeram elogios ao fascismo italiano justamente por se contrapor fortemente ao capitalismo (e à democracia que o fundamenta) e outros viram virtudes até mesmo no comunismo stalinista, como viram virtudes em tudo o que parecesse contrário ao que soasse a “liberal”, a “democrata”, a “nortista”. Pode ser uma pista vaga, um palpite pouco confirmável, mas algo me diz que entre as plantações de algodão do Mississipi e a cordilheira dos Andes há mais semelhanças do que supõem a nossa vã ingenuidade. O Norte odiado é o mesmo, a distância é que é um pouco diferente.

Escrito por Celso Augusto Uequed Pitol

Nenhum comentário: