sábado, 4 de outubro de 2008

Música sem rótulos

Uma vez consolidado um rótulo, tem início um movimento contrário, sustentado pelos atingidos pelo rótulo, para tentar mostrar que ele não é verdadeiro. No campo da música, isso se nota naquelas bandas que, sendo originárias de um determinado lugar já marcado por algum estilo específico, fazem de tudo para evitar pré-julgamentos sobre o que fazem. No caso do rock gaúcho, creio que isso ainda não esteja acontecendo. Não vejo nenhuma banda, pelo menos até agora, com a preocupação de lembrar aos demais que não é uma banda tipicamente gaúcha, que não faz letras pretensamente engraçadinhas, que não tem preocupação alguma em parecer retrô e que não força sotaque nenhum. A reação contrária normalmente acontece quando esse rótulo é visto como negativo, e isso, creio, ainda não acontece com o rock feito aqui. Há muita gente – muita gente mesmo – de fora do RS que acha o rock gaúcho o máximo. Eu não entendo a razão disso e algumas – só algumas – pessoas daqui também não, mas o sucesso existe e decorre da imagem excelente que o RS tem em outros Estados quando o assunto é cultura. E eu também não entendo a razão disso. Até porque não concordo.

Por isso, quando digo que os Renascentes não soam como uma banda gaúcha não é simplesmente atestar o fato de que eles não parecem se guiar pela cartilha de outros grupos que atravessaram o Mampituba e deram cara e voz ao “estilo gaúcho de fazer rock”. É, antes de tudo, um elogio à independência de Mr.Gambé (Baixo) Bob Serafini (Teclados) Mimo Ferreira (Percussão) Dionísio Monteiro ( Bateria) e João Forts (vocal e guitarras), seja esta independência resultado de uma preocupação em soar realmente diferente – o que decerto não é o caso – ou de, mui simplesmente, não dar importância para os já citados rótulos. Os Renascentes simplesmente fazem o som deles. Ponto. Não se ligam sequer a conceitos, a imagens cristalizadas que as bandas gaúchas adoram cultuar – são bem pouco gaúchos nisso também – e que, consequentemente, lhes garantem um público fiel e duradouro num determinado segmento de mercado. Isso talvez seja uma dificuldade para os Renascentes na hora de quererem vender o seu produto, mas isso já não é problema de quem, como nós, quer apenas escutar música. Cabe a nós apenas esperar que eles sigam em frente com isso – música.

E música é o que não falta. Dos mais variados estilos, tantos que uma primeira audição acaba enganando a quem quer escrever algo a respeito deles. Quando o vocalista João Forts gentilmente me passou o compacto Poema Seco, disponivel no MySpace da banda , pensei se tratar de uma banda com influências de psicodelia sessentista e rock alternativo do fim dos anos 80, muito competente para conjugar as duas coisas. Escrevi um texto sobre isso e publiquei. Depois, o mesmo João fez questão de me enviar outras canções da banda apenas para mostrar a grande bobagem que eu havia escrito. Talvez porque, conhecedor da aldeia, imaginei que estava diante de um outro conceito, não de um grupo de gente talentosa fazendo música de qualidade. Felizmente, estava enganado. Canções como “Todos os Nomes” e “Menina de lá” evocam influências de George Clinton e James Brown, ao passo que “Há uma Festa” mostra a presença da melhor MPB e “Raiar”, do pop rock que provavelmente tocará no rádio em breve. Ou não, porque as letras inteligentes da banda -assumidamente inspirada por José Saramago, Guimarães Rosa e Fernando Pessoa – talvez sejam outro empecilho. Novamente, isso não é problema de quem, como nós, quer apenas escutar a música dos Renascentes. Resta-nos a torcida para que tudo isso que eles têm de diferente, de original, de bom, não seja empecilho para que continuem. Eles não precisam do rock gaúcho, mas é bem provável que o rock gaúcho, para não virar pastiche de si mesmo, precise de gente como os Renascentes.


Publicado por Celso Augusto Uequed Pito

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