quinta-feira, 14 de maio de 2009

Noite de celebração ao rock´n roll

IMG078-01Créditos da foto: Mauricio Rezende Pereira

A fila para a entrada do show do Oasis daria orgulho ao velho Winston Churchill. Segundo o velho estadista britânico, mesmo que um dia a Inglaterra perecer, os tesouros culturais do Império Britânico continuariam vivos para testemunhar a grandeza da nação. Pois o que víamos ali ao lado do Ginásio Gigantinho, em Porto Alegre, num ameno e nublado fim de de outono gaúcho, era um verdadeiro cortejo de gente que estaria disposta, se perguntada, a defender essa legado. O cortejo de anglófilos incluía a presença bandeiras do Reino Unido e da Inglaterra em diferentes tamanhos, faces pintadas com as cores da Grã-Bretanha, cabelos cortados à brit poppers, arremedos de chavs e muitas camisetas do English Team (incluindo uma retrô da copa de 66, a 9 de Bobby Charlton) e de clubes de futebol da Premier League, sobretudo dos quatro grandes: Arsenal, Manchester United, Liverpool e Chelsea. O engraçado é que muitos daqueles fãs talvez não saibam que os irmãos Gallagher, nascidos e criados em Manchester, não torcem para o time de Cristiano Ronaldo, Wayne Rooney e Carlitos Tevez, mas sim pelo Manchester City, menos rico e muito menos conhecido que o rival. Só dentro do ginásio foi possível ver uma ou outra camisa do City. E muitas, muitas bandeiras. O Gigantinho transformou-se numa miniatura de Wembley nesta noite de terça-feira.

E não foi só lá. Há uma semana, a banda tocou em Caracas, na Venezuela, no início da turnê sul-americana e o que se viu nas filas em volta do local do show foi exatamente a mesma coisa, mesmo num país onde tudo o que tem a ver com o estrangeiro vem sendo escorraçado. O que o Oasis leva de inglês para o mundo não é apenas o sotaque característico de sua Manchester natal (incompreensível até mesmo para muitos londrinos) mas um conjunto de atitudes em relação ao resto do mundo e ao próximo que caracteristicamente sempre se identificou com eles. E estas características ficaram claramente demonstradas no show desta noite.

O escolhido para aquecer os instrumentos do Oasis foi a banda gaúcha Cachorro Grande, e não por acaso. Fundado na mesma tradição de rock britânico do Oasis – The Who, Rolling Stones, The Jam e, principalmente, os Beatles – o grupo portoalegrense é daqueles que nunca deixam de cumprir o que prometem. As roupas estilizadas emulam o final dos anos 60 e é isso que eles dão ao público: rock sessentista, com guitarras distorcidas à Stooges (provavelmente a única referência americana que eles têm) e temáticas tipicamente mod. Goste-se deles ou não, o fato é que o Cachorro Grande executa à perfeição o que se propõe – até o cover de Helter Skelter, dos Beatles, encerrando a noite, foi simplesmente perfeito,com direito a Beto Bruno transformando o cabo do microfone em um laço, à Roger Daltrey.

O Oasis entrou logo depois e também cumpriu tudo o que prometeu, como sempre. Pode-se acusá-los de tudo, menos de incompetência. As vezes em que os shows do Oasis não são tudo o que se espera só ocorrem por falta de interação público-banda, o que definitivamente não ocorreu ontem à noite. A postura sóbria e sobranceira de Liam Gallagher à frente do microfone, encarando o público enlouquecido pelos seus ídolos, era volta e meia quebrada por palmas sinceras do cantor para a platéia e uma ou outra palavra dirigida a eles. Em se tratando de Oasis, isto é muito, mas muito mesmo. Eles nunca trocam palavra com o público. Com seus poucos e calculados gestos, Liam Gallagher deu uma verdadeira aula de como ter os fãs na mão, agradecendo na medida certa e dando a atenção calculada para compor o quadro de gentleness que permeou toda a apresentação do Oasis. A porra-louquice começou e acabou no show do Cachorro Grande. Liam é a propria definição de carisma que resiste a toda postura antipática.

Com Noel nao é tanto assim. Mais velho, de cabeça baixa, é até melhor cantor do que Liam – o momento apoteótico do show, a execução de Don´t Look Back In Anger, o confirma – mas não resta a menor dúvida de que o Oasis, ao menos ao vivo, depende miseravelmente da presença do seu irmãozinho. Comparando com o futebol – uma paixão dos Gallagher transferida para os fãs, que se comportam como torcedores -, é como se Noel fosse o meia-armador-faz-tudo em campo e Liam fosse o artilheiro carismático que faz acrobacias para a torcida quando marca um gol. Ambos são necessários para o fim que se propõe.

O show do Oasis durou 1h40min. O da Cachorro Grande, por volta de 1 hora. Não ouvimos em nenhum deles algum apoio para salvar a África, o Timor Leste ou até mesmo a favela mais próxima. Não ouvimos discursos dos Gallagher sobre conscientização ambiental ou política. O Oasis não quer mudar o mundo dessa forma. Aliás, não quer mudar o mundo de maneira algum. É apenas um ótimo grupo de rock – muito longe dos seus heróis, os Beatles, e provavelmente não integra o panteão roqueiro de todos os tempos. O Oasis não está pensando nisso. Está pensando em cumprir o que se propõe a fazer – e isso eles fazem com poucos.

Nenhum comentário: