terça-feira, 9 de junho de 2009

A morte de Alegria

Quem visita o campus do Vale, da UFRGS, pela primeira vez surpreende-se com a quantidade de cães que circulam pela entrada. Alguns deles são mais ousados e chegam a entrar em salas de aula dos prédios próximos - principalmente no Instituto de Letras - onde chegam a assistir às aulas com atenção raramente encontrada entre os estudantes.

Qual a razão para tantos cães num só lugar? Ninguém sabe ao certo. Uma explicação bem possível é a mais simples: porque são bem tratados. No caso dos cães abrigados pelos alunos da Letras, eles chegam a ganhar nomes de escritores famosos de acordo com o seu aspecto físico e o seu comportamento. Há o Machado de Assis, o James Joyce, o Proust, o Kafka e, curiosamente, também há um Paulo Coelho. Não consigo imaginar que tipo de coisa o pobre cãozinho tenha feito para merecer este apelido. Mesmo assim, o fato é que os cães do Campus do Vale são quase parte da família universitária.

Assim era considerada o cãozinho Alegria. Adotada pelo professor de genética Renato Zamora Flores, Alegria auxiliava no tratamento de crianças carentes vítimas de violência da seguinte maneira: os menores contavam os seus problemas a ele, e não ao médico responsável. Assim, aproveitava-se a capacidade natural dos animais em cativar as crianças e ajudá-las psicologicamente. E Alegria ajudou muitas crianças. E continuaria a ajudá-las, se não tivesse sido morto a pauladas na noite do último sábado.

O que motivou alguém a matar um simples cachorrinho de maneira tão cruel e grotesca? Ninguém sabe. E provavelmente nunca saberemos. Desconfio, porém, que o nome do cachorrinho tenha desencadeado no criminoso uma auto-repulsa tão grande, tão absurdamente forte, que não lhe restou alternativa a não ser eliminá-la, tal como o pecador, mesmo rico e poderoso, sente-se diante do santo, mesmo pobre maltratado. Ou, muito simplesmente, como a maldade sente-se diante da bondade.

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