quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Grêmio campeão do mundo – O adversário

Porto Alegre, 25 de outubro de 1983. Faltava pouco mais de um mês para o Grêmio enfrentar o Hamburgo pelo Mundial Interclubes. A Zero Hora daquele dia noticiava que o ponta-direita Renato Portaluppi, grande revelação do clube, titular da seleção brasileira com apenas 21 anos e destaque na conquista da taça Libertadores da América, ameaçava deixar o Olímpico por divergências com a direção. “Até dinheiro me devem”, dizia o jogador.

Felizmente,como todos sabemos, Renato não deixou o Olímpico, principalmente pela intervenção sempre sábia do presidente Fábio Koff, “O Grande”, que conversou com o jogador e acertou as coisas pouco antes do Mundial. Há poucos dias, numa entrevista à ESPN, Renato contou que o Grêmio havia lhe multado em 40% do salário. O jogador fez então uma proposta a Koff: se ele não fizesse nenhum gol no Mundial, aceitaria a multa. Se ele fizesse um gol, ganharia 40% de aumento. Se fizesse dois gols, ganharia 80%. O resultado todos sabemos. Renato ficaria mais três anos no clube, seria vice-campeão da América em 1984 e bi-campeão gaúcho em 85 e 86. E naquele dia 10 de dezembro de 1983, seria o principal nome do jogo.

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Quem nasceu em 1983, como eu, tinha sempre uma resposta que encerrava qualquer discussão com os colorados: “O Grêmio é campeão do mundo”. Quando o time caiu para a Segunda Divisão, em 1992, lembro de ouvir todo o tipo de piada dos primos colorados, campeões da Copa do Brasil no mesmo ano. Ingênuo, fiquei triste na hora e falei para o meu pai: “É, pai, acho que o Inter é mesmo melhor que o Grêmio”. Ao que ele respondeu: “Filho, o Inter nunca vai ser melhor do que o Grêmio”. “Por quê, pai?”. “Porque o Grêmio é campeão do mundo. E eles não”. Como por passe de mágica, o sorriso voltou ao rosto do menino gordinho de 9 anos. Então nós somos campeões do mundo? Como não há nada maior que ser campeão do mundo, então não tem mesmo como o Inter ser melhor que o Grêmio! E essa virou a minha resposta para as provocações vermelhas.

Mas aí vinha um primo colorado particularmente chato, seis anos mais velho, que dizia para o então menino de nove anos: “É, o Grêmio foi campeão do mundo porque jogou com o Hamburgo, um time horroroso que além de tudo foi para Tóquio com os reservas”. Ouvi essa mesma história trezentas vezes. No rádio, colorados históricos e histéricos a repetiam sempre. Creio que não há gremista que não a tenha escutado pelo menos uma vez na vida. Ela tem variações, como a de que a Juventus foi a legítima campeã da Europa de 1983 e que se recusou a disputar o Mundial, de que o Hamburgo foi para Tóquio no dia do jogo e nem treinou, que levou apenas 14 jogadores ou que nem levou os reservas, que tinham tomado todas na noite anterior e entraram de porre em campo, enfim – que o Grêmio jogou contra onze mortos e que só por isso foi campeão. Apesar da inveja óbvia, a dúvida permanecia: será mesmo que a final com o tal de Hamburgo foi mesmo uma marmelada?

Primeiro, é preciso lembrar da final da Copa dos Campeões de 1983, que levou o Hamburgo ao Mundial. Essa informação acaba com a tese de que a Juventus de Turim foi campeã daquele ano: o Hamburgo venceu a final em Atenas, na Grécia, por 1 x 0, gol do meio-campista Magath, astro da seleção alemã bi-vice-campeã do mundo em 1982 e 1986. É bem verdade que a Juventus era a favorita ao título daquele ano,e e não poderia ser diferente: Zoff, Gentile, Brio, Scirea, Cabrini, Bonini, Michel Platini, Tardelli, Boniek, Bettega e Paolo Rossi formavam um dos maiores times da história do futebol europeu, tanto que viria a ser campeã européia dois anos depois e seria a base da seleção italiana campeã do mundo de 1982. Dificílimo ganhar deles.

E o Hamburgo? Será que era apenas um representante daquele típico futebol de resultados dos alemães, simples porém eficiente, sem estrelas, finalista da Copa por acaso? Não exatamente. Se é certo que o Hamburgo jogava duro, como todo time alemão, também é certo que tinha grandes jogadores. O goleiro, Stein, era uma grande revelação do futebol alemão e seria reserva do mítico Schumacher na copa de 86 . O lateral-direito, Manfred Kaltz, jogou duas copas do mundo pela seleção alemã (78 e 82) e sempre de titular: é até hoje considerado um dos maiores nomes da posição em seu país. A zaga titular (Jakobs e Hieronymus) jogou as copas de 82 e 86. O meia Rolff jogou a copa de 86 e o já citado Felix Magath, titularíssimo nas copas de 82 e 86, jogador de técnica refinada e criatividade, é considerado um dos maiores jogadores alemães de todos os tempos. No ataque, o dinamarquês Bastrup, titular de sua seleção nacional por muitos anos, e o centroavante Hrubesch, gigante com mais de 1,90, forte como um touro, responsável pela jogada mais temível do Hamburgo: a bola aérea. Jogou a copa de 1982. Todos os onze jogadores do Hamburgo tiveram passagens pela seleção alemã (à exceção, naturalmente, de Bastrup). Não há dúvida de que se tratava de uma grande equipe. Além de tudo isso, era treinado por um gênio: Ernst Happel, austríaco, um dos maiores técnicos de todos os tempos, vice-campeão do mundo em 1978 à frente da Laranja Mecânica holandesa.

Esse foi o Hamburgo da final da Liga dos Campeões. E o Hamburgo da final do Mundial? É importante saber qual foi, devido ao boato de que jogou com os reservas. O time foi o seguinte: Stein, Wehmeyer, Hieronymus, Jakobs, Schroeder; Groh, Rolff, Magath; Hartwig, Hansen e Wuttke. Destes, apenas quatro não estavam na final da Euro: Hansen substituiu ao artilheiro Hrubesch, Wuttke a Milewski, Schroeder ao lateral Kaltz e Hartwig a Bastrup. Hrubesch e Bastrup não jogaram porque haviam sido vendidos, Kaltz estava machucado e Milewski saiu por simples opção do treinador, já que Wuttke era uma estrela em ascensão, tendo sido destaque na seleção alemã campeã européia sub-21 de 1982. Ou seja, o time continuava muito bom.

Na partida, o Hamburgo usou bastante a sua arma mais conhecida – o jogo aéreo – marcou forte o Grêmio na saída de bola e atacava cautelosamente, temeroso do ultra-veloz contra-ataque tricolor, puxado por Renato Portaluppi e Tarciso e comandado por Mário Sérgio. A superioridade técnica do Grêmio era clara, e ficou mais clara ainda com o primeiro gol de Renato, seguido por várias chances de gol perdidas. Mesmo jogando menos,o Hamburgo seguiu a mesma receita que, um ano antes, a seleção alemã utilizou para vencer um jogoo praticamente perdido contra a espetacular França de Michel Platini: acalmou o jogo, esfriou o ânimo do adversário e, com uma frieza tipicamente germânica, passou a tocar a bola e esperar o momento certo de atacar. Isso só aconteceu aos 44 minutos do segundo tempo, num cruzamento do craque Magath que terminou na cabeça do zagueirão Schroeder. O jogo foi levado para a prorrogação e o Hamburgo parecia determinado a continuar no mesmo estilo de jogo quando Renato entortou o mesmo Schroeder e fuzilou o goleiro Stein, colocando o Grêmio novamente à frente.

O Hamburgo parecia exausto. O Grêmio também. O Hamburgo marcava e tentava o contragolpe, e o Grêmio tocava a bola para o tempo passar. Nada parecia tirar o título do Grêmio, mas, com um time determinado, e ainda mais sendo alemão, não se pode brincar nunca. E o Grêmio não brincou, como o Hamburgo não brincou em momento algum. Só que eles não tinham a arma secreta que dá a vitória ao futebol brasileiro nesses momentos difíceis (e aos brasileiros em quase todos os momentos de suas vidas): a criatividade. E nesse duelo da força física do futebol alemão contra o talento, sobressaiu-se a estrela de Renato Portaluppi -aquele que, havia alguns dias, quase deixara o Olímpico.

* Publicado originalmente em 11 de dezembro de 2007.

Escrito por Celso Augusto Uequed Pitol

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